Trajectórias

Trajectórias de memórias no areal
Sombras de destinos
Em uníssono velejar de odisseias,
Dos troncos de árvores comuns
Enraizadas nas letras destes versos.

Estes caminhos dão para o poente
Onde tudo termina
No fim da tarde
Da face batida
Pelo resumo do dia
Acorrentada à silhueta da maresia.

Só existe o plano cósmico
Onde se descrevem volúpias,
Na força do verbo construir
Nas mãos do verbo plantar
E nos versos soltos
Da genética de qualquer raiz
Perpendicular ao vento.

Também há trajectórias de Abril
Na definição de espingardas em flor
Que são agora sentinelas
Nas guaritas da democracia
Onde pousam
Na obliquidade da palavra
E no granítico marulhar
Todos os sóis e poucos luares.

E os caminhantes dos caminhos
Vendem, por assim dizer,
Um bordão de acariciar veredas
Uma sacola pendurada na fome
E uma cabaça de penetrar sedes.

São caminhos híbridos
Amassados de poeira, fome e sede,
Trajectórias de ficção
Baluartes despidos
Na servidão das bocas
Em romaria às portas de arraiais.

E assim caminho memórias
No reflexo do jogo da idade,
Catapulto “águas passadas”
Para o fingimento de uma tarde.

Caminho, percurso que se faz,
Todo ele tarde que morre
Nos braços do vento,
Todo ele imaterial,
Só memória dos passos,
Só alma das gentes,
Acento circunflexo
No falar das galáxias.

Tenho a dizer

Tenho a dizer das vestes do vento
Da tarde inventada no parapeito
Da sombra ao aproximar com jeito
Palavra parabólica, réplica de relento.

Tenho a dizer das fontes o acento
Circunflexo de um rio que ajeito
No marulhar bucólico como preito
À tarde no odor que apascento.

Enquanto teu monologar de preceito
Vence arestas de amor suavizadas no peito
A embalar berços de frutos que acrescento

Aos luares imaginários espalhados pelo leito
Às metamorfoses e estrofes de perfeito
Semblante que rasga galáxias de pensamento.

Só sei

Só sei a palavra que reflecte no espelho
Diáfana memória no jogo de brincar;
Só sei o alarido quando se faz eco
Rapsódia a desbotar muros que escalei;
Só sei o cheiro entornado pelo vale
A escoar pelos caminhos donde parti;
Só sei o amor quando se faz longe
Na cavalgada dos dias da multidão,
No horizonte definido pelo sonho que sonhei.

Língua pilar de pátria

Pelo convívio circundante
No batel de fortunas
Restam cinzas de epopeias
Glórias dos destroços
E mártires da moirama.
Mão cheia de naus
Espalhadas pela Babel,
Nas rotas de oceanos,
Crispadas de tridentes,
Coadas por Adamastores,
A erguer padrão de lenda.
Convocados para ouvir
Notas estridentes de Zéfiro
Navegadores de quinhentos
Algemaram correntes de mar
No pilar da pátria
Que é a língua crescida
Pela rega de Vieira

Linha partida

No bojo da caverna
Respira-se pólen de universo
E nos rios subterrâneos
Vendavais dos tempos.
No estorvo do caminho
O vulcão da paisagem,
Com traços ofegantes
De cavalo selvagem,
Escorre pelas gargantas
Afiadas de vento.
Mina de água submersa,
Cristal de todos os dias,
Enche o alforge
Pendurado no bordão,
No caminho de destinos.
E a prece,
Na sombra do Verão,
Acrescenta o milagre
Às páginas de céu
Inscritas no traço
De estrelas candentes.
No lugar da linha partida,
Do jogo frente ao acaso,
Sobra um sonho de amar
Encapelado de nuvens,
De riso ermo e de glória.

No rasto

No rasto da tribo,
Do luar, do solstício primeiro,
Navego a espuma da nau
Que descobriu o mar.

Errante pela galáctica
No rasto da alma
Desvendo o sonho do lar
No rasto da tribo
Do amor primeiro.

No rasto da sombra
De exércitos de conquistadores,
Na deposição da tribo.
Um tempo sem resgate,
No rasto de névoa perdida.

No rasto do enxame
E das águas do rio
Que ao mar vão ondular.
No rasto aluvianar do diamante
Ou de qualquer estrela candente.

No rasto da espada
De cavaleiro andante,
No rasto da sombra
Do amor que fugiu.
Erecto penetro o vento
Que a fuga pariu.

A deambular frente ao padrão,
No rasto do cais do meu país
No desfiladeiro de ilusões,
Perpétuo de símbolos,
Mão cheia de rosas.

Defronte à estátua da montanha
No rasto de poentes
Nos abraços consagrados de gente
Nas tertúlias do mar Egeu
Fica só o rasto petrificado
Dinossáurico da viagem.

A carta

Silhueta de palavras, a carta.
Registo de ausência, perpendicular
À paixão, por quem resta amar,
Em manhã de neblina farta.

Soletrada de veste estrelar
Que o crepúsculo leve aparta
Na última vez, que foi a quarta,
No modo inebriante de dançar.

Horizontal ao sonho, madrugada perto,
Soam passos na sombra do relento
Quando de ti procuro mais alento

E sílabas juntas, oásis de deserto,
Memórias de ecos de tempo incerto,
Mergulhadas no pensamento.

Lágrima


Lágrima…
Molha meia face,
Logo que cai no mar
Transborda de oceano.

É sal de memória
De povo marinheiro.
É lonjura de navio
Da partida do cais.

Lágrima…
A doce contemplação
Do nosso interior longínquo.

Carta de amor


Pelo lado anverso do folhear
A tarde e o lugar da escrita
Levantam-se silhuetas de guardar
Cupido em envelope de seda,
E fragâncias esculpidas de maresia
Nesse teu vestido de chita.

Amor


Não há poesia que reste
Ao fingimento desvelado
Nem morfina que baste
Ao coração destroçado.

Porém há luar que veste
Noites de céu estrelado
Qual diamante de engaste
Em tons rosa-apaixonado.

Amor nasce cardeal Oeste
Coração de espuma debruado
Na amurada que ousaste
Beijar um beijo enamorado.

Refém dos poemas que deste
Estas quadras inspiraste
Para ficar enclausurado
Na liberdade de ser amado.

Não há cosmo que moleste
Furor de abraço desejado
Nem mar longe que afaste
Rimas de poemas a teu lado.

Vem manhã, centelha de leste,
Traço de paisagem efeminado,
Descalço piso onde passaste
Lonjura de caminho caminhado