Tenho a dizer

Tenho a dizer das vestes do vento
Da tarde inventada no parapeito
Da sombra ao aproximar com jeito
Palavra parabólica, réplica de relento.

Tenho a dizer das fontes o acento
Circunflexo de um rio que ajeito
No marulhar bucólico como preito
À tarde no odor que apascento.

Enquanto teu monologar de preceito
Vence arestas de amor suavizadas no peito
A embalar berços de frutos que acrescento

Aos luares imaginários espalhados pelo leito
Às metamorfoses e estrofes de perfeito
Semblante que rasga galáxias de pensamento.

Só sei

Só sei a palavra que reflecte no espelho
Diáfana memória no jogo de brincar;
Só sei o alarido quando se faz eco
Rapsódia a desbotar muros que escalei;
Só sei o cheiro entornado pelo vale
A escoar pelos caminhos donde parti;
Só sei o amor quando se faz longe
Na cavalgada dos dias da multidão,
No horizonte definido pelo sonho que sonhei.

Língua pilar de pátria

Pelo convívio circundante
No batel de fortunas
Restam cinzas de epopeias
Glórias dos destroços
E mártires da moirama.
Mão cheia de naus
Espalhadas pela Babel,
Nas rotas de oceanos,
Crispadas de tridentes,
Coadas por Adamastores,
A erguer padrão de lenda.
Convocados para ouvir
Notas estridentes de Zéfiro
Navegadores de quinhentos
Algemaram correntes de mar
No pilar da pátria
Que é a língua crescida
Pela rega de Vieira

Linha partida

No bojo da caverna
Respira-se pólen de universo
E nos rios subterrâneos
Vendavais dos tempos.
No estorvo do caminho
O vulcão da paisagem,
Com traços ofegantes
De cavalo selvagem,
Escorre pelas gargantas
Afiadas de vento.
Mina de água submersa,
Cristal de todos os dias,
Enche o alforge
Pendurado no bordão,
No caminho de destinos.
E a prece,
Na sombra do Verão,
Acrescenta o milagre
Às páginas de céu
Inscritas no traço
De estrelas candentes.
No lugar da linha partida,
Do jogo frente ao acaso,
Sobra um sonho de amar
Encapelado de nuvens,
De riso ermo e de glória.

No rasto

No rasto da tribo,
Do luar, do solstício primeiro,
Navego a espuma da nau
Que descobriu o mar.

Errante pela galáctica
No rasto da alma
Desvendo o sonho do lar
No rasto da tribo
Do amor primeiro.

No rasto da sombra
De exércitos de conquistadores,
Na deposição da tribo.
Um tempo sem resgate,
No rasto de névoa perdida.

No rasto do enxame
E das águas do rio
Que ao mar vão ondular.
No rasto aluvianar do diamante
Ou de qualquer estrela candente.

No rasto da espada
De cavaleiro andante,
No rasto da sombra
Do amor que fugiu.
Erecto penetro o vento
Que a fuga pariu.

A deambular frente ao padrão,
No rasto do cais do meu país
No desfiladeiro de ilusões,
Perpétuo de símbolos,
Mão cheia de rosas.

Defronte à estátua da montanha
No rasto de poentes
Nos abraços consagrados de gente
Nas tertúlias do mar Egeu
Fica só o rasto petrificado
Dinossáurico da viagem.

A carta

Silhueta de palavras, a carta.
Registo de ausência, perpendicular
À paixão, por quem resta amar,
Em manhã de neblina farta.

Soletrada de veste estrelar
Que o crepúsculo leve aparta
Na última vez, que foi a quarta,
No modo inebriante de dançar.

Horizontal ao sonho, madrugada perto,
Soam passos na sombra do relento
Quando de ti procuro mais alento

E sílabas juntas, oásis de deserto,
Memórias de ecos de tempo incerto,
Mergulhadas no pensamento.

Lágrima


Lágrima…
Molha meia face,
Logo que cai no mar
Transborda de oceano.

É sal de memória
De povo marinheiro.
É lonjura de navio
Da partida do cais.

Lágrima…
A doce contemplação
Do nosso interior longínquo.

Carta de amor


Pelo lado anverso do folhear
A tarde e o lugar da escrita
Levantam-se silhuetas de guardar
Cupido em envelope de seda,
E fragâncias esculpidas de maresia
Nesse teu vestido de chita.

Amor


Não há poesia que reste
Ao fingimento desvelado
Nem morfina que baste
Ao coração destroçado.

Porém há luar que veste
Noites de céu estrelado
Qual diamante de engaste
Em tons rosa-apaixonado.

Amor nasce cardeal Oeste
Coração de espuma debruado
Na amurada que ousaste
Beijar um beijo enamorado.

Refém dos poemas que deste
Estas quadras inspiraste
Para ficar enclausurado
Na liberdade de ser amado.

Não há cosmo que moleste
Furor de abraço desejado
Nem mar longe que afaste
Rimas de poemas a teu lado.

Vem manhã, centelha de leste,
Traço de paisagem efeminado,
Descalço piso onde passaste
Lonjura de caminho caminhado

Vem de longe


De longe vem a multidão
Braço levantado de aurora
Rapsódia nua de solidão
Vila dentro de outrora.

De tridente fero na mão
Cavalo marinho arpoa.
Sente o veludo do chão
De mar raso noite fora.

Veste núpcias de mar breu
E no limbo de noite estrelada
Prende rosas no peito teu.

E fingiu danças de cavalgada
Nas horas em que adormeceu
Potestade na linha esmagada

O lugar de ti

Se eu soubesse o lugar de ti
Onde há poemas e luz etérea
Faria de mim caminhante até ali
Na fome de desfolhar crepúsculos,
Por cima das pedras certas
Encadernadas nos opúsculos
Que criaram teu corpo de mares,
Sem saber se na lonjura existes
Ou te repartes por estes lugares.
Se eu soubesse a dimensão do lar
E o ventre prenhe que há em ti
Subiria as escadas do luar
E plantaria uma flor folhada
Para que o menino do ventre
Crescesse canção “Desfolhada”
E se perdesse no útero da terra
Ou nas estrelas que somam céu,
Envolto nos limos de Finisterra.
Mas esse lugar mítico de aventura
Onde só os do Olimpo vão
Repassa desejos de ternura;
Lugar para erguer destinos
E versos na resina dos pinheiros
Que enfunaram velas latinas.
Por isso não sei se num beijo teu
Está o cumprimento da diáspora
Ou de regresso o que o amor deu.

Fio de distância

Na essência de um fio de distância
Namoro teu corpo virgem de poente
Na volatilidade do éter envolvente
Num tempo maduro de circunstância.

Ao cair da noite dou passos sem importância
No longe velejar da sucessão do presente
A emprestar oceanos a toda a gente
Para haver palavras em gesto de abundância.

Não há tarde que una o que é ausente
Nem triangulação de fios em concordância
Com as vestes insólitas da minha redundância.

Envolto no horizonte só vai o sonho à frente
A desfolhar ventos na guarita da observância
De uma página epistolar de esperança

Vielas

Vi formas de mar na epopeia
De um falar pelas mansardas,
pregão frente ao beco da saudade,
concertina na oralidade matinal.

Eram ameias para guardar conversas
De destino ao peito da tarde
E baluartes para ecoar versos
Temperados nos degraus das vielas.

Havia um remendo de humidade
A espreitar cortinas de jardim
Nos bancos levantados de liberdade
No esvoaçar cruzado de andorinhas.


Frente às caravelas

Teus belos lábios
Vestem palavras solenes
Ao gosto tardio do mar
Frente às caravelas
Na linha do farol
Que nas noites virgens
Dá fios de sol.

Pedestal de luz

É o longe iluminado
Pedestal pela manhã
Silhueta ao fim da tarde
Âncora de gaivotas
Ao pôr do sol.
Morre ao sol nascente
Para ressuscitar noite aberta
Nos começos do mar
Nos confins da terra.

Novas trajectórias

Pressinto atravessar luares de relento
Quando a ceia passa ao lado do vento
De caminhante despido de opa
A soletrar cores de arco-íris à porta.

Ninguém vai a poente, trajectória final,
No invés do verbo perscrutar o sinal
No sentido oblíquo do termo infinito
Na chama de alma que desespera.

O fim do dia estende-se por um fio
No horizonte de um riso verde de rio,
Trajectória pitagórica de enfeite carmim.

E gotículas de sombra pasmam no caminho
Na viragem de sonho que foi de mansinho
Juntar dois pináculos de hera de jardim.